Revista Diário - 27ª Edição
com Deus é lutar sempre, é também o meu compromisso com meus irmãos, com minha esposa, meus filhos e meus amigos. Luiz Melo - Você nunca pensou em algum mo- mento desistir da vida por causa do sofrimento? César Bernardo - Desistir não, mas tem momentos que você passa a questionar se vale a pena este trata- mento tão longo... Eu saí de dois cânceres e agora estou enfrentando o terceiro. Se eu vencer mais este vou tentar morar em Portugal ou qualquer outro lugar; eu vou sair daqui porque meu corpo não aguenta mais um quarto câncer. Luiz Melo - O que mais faz falta hoje em dia, que teve que abrir mão por conta do tratamento da doença? César Bernardo - Tive que largar tudo... Por exemplo, eu reúno todos os sábados os meus amigos lá em casa, mas eu não bebo, não como mais caranguejo... Tive que abrir mão de muita coisa... Quando eu passo na frente de um botequinho dá uma vontade danada, mas não posso beber. Você tem que priorizar; a vida tem momentos, e tem momentos dos quais a gente tem que abrir mão, por- que se não aceitar mudanças que a vida impõe você sofre mais. Então eu, graças a Deus, tenho tido essa força de me excluir daquilo que eu gosto sem sofrimento. A única coisa que às vezes eu xingo muito é quando eu quero es- crever e não posso segurar uma caneta... Luiz Melo - Quando está sozinho, pensando em tudo o que está acontecendo na vida, você chora? César Bernardo - Choro, choro muito, muito mesmo e não consigo me conter. Um dia estava olhando meu neto pequeno e mergulhei meus pensamentos no futuro... Como eu gostaria de participar da cerimônia de forma- tura dele... Mas eu sei que estou numa situação que não posso fazer plano pro futuro... Luiz Melo - Como você se sente agora? César Bernardo - Bem, bem, instável. Se a entrevista fosse ontem eu não viria, porque estava na morfina... Tem sete anos que não durmo à noite; não consigo dormir, pri- meiro porque não dá pra encostar nada no meu corpo; muita coisa me acontece e não consigo dormir... Gosto de escrever... Eu acho prazeroso escrever; um livro está no prelo e outros dois prontos. Luiz Melo - E o seu livro sobre o câncer? Quando vai sair? César Bernardo - Já deveria ter saído, mas eu ainda não consegui finalizá-lo. Quando eu fiquei doente o DaLua (Pedro, deputado estadual) e o Pedro me ajudaram muito. E chegou aquele dia glorioso que arrecadamos 740 mil reais num só dia pro Ijoma (Instituto Joel Magalhães de Prevenção e Combate ao Câncer), criado e presidido pelo padre Paulo Roberto, e construímos a sede na Igreja Jesus de Nazaré em quatro meses; por conta disso, o DaLua pas- sou a me chamar de embaixador do câncer no Amapá; e é esse o título do livro... Quando achei que o livro estava finalizado, veio outro câncer; parei, prossegui e mais uma vez estava pronto pra ser lançado, mas depois surgiu o terceiro câncer. Minha ideia não é vender livro é registrar uma situação pra ajudar a mudar em futuro breve esta triste realidade que vivemos hoje. Luiz Melo - O Ijoma tem se destacado na luta con- tra o câncer, tanto na prevenção como no diagnós- tico... César Bernardo - Todos, indistintamente todos, pre- cisamos lutar mais efetivamente para buscar solução, por- que não demora teremos mais de um milhão de pessoas no Amapá, uma grande parte com câncer; temos tentado ajudar da melhor maneira possível, através do Ijoma, que vem evoluindo muito; hoje o instituto é um brinco, com médicos voluntários pra todo lado; é uma tomada de consciência que surgiu graças ao padre Paulo. Temos que lutar contra o preconceito, a discriminação e atacar a raiz da doença, que não é coisa de pobre; todos são vulnerá- veis. Mas o pior câncer mesmo é a falta de reconheci- mento... OChagas das lojas A Credilar morreu de câncer, e logo em seguida a filha dele também morreu de câncer, e não houve uma única notinha da Acia (Associação Co- mercial e Industrial), que ele fundou e tanto colaborou; o deputado Gatinho morreu de câncer e a Assembleia Le- gislativa não emitiu nenhuma notinha de pesar. Nossa so- ciedade foi doutrinada a se esconder do câncer, e isso é inaceitável, não é possível! Luiz Melo - Pra encerrar, qual a mensagem que você manda para aqueles que também se debatem contra o câncer? Cesar Bernardo - Que não tenham medo da doença, pois ela já está instalada; procure obter a atenção de fa- miliares e amigos, pois é de atenção que se precisa, por- que é doloroso as pessoas não entenderem que você está daquele jeito porque está doente, você se torna uma pes- soa especial, tudo é especial, a dor, o médico, o remédio, a expectativa de vida; o paciente de câncer tem que ter esse tratamento especial. Revista DIÁRIO - Edição27 - 11
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