Revista Diário - 17ª Edição

D iz‐se que, empolítica, a palavra émais da metade da ação. E a palavra, em‐ bora escrita, nunca é ausente de som. Falar, transmitir ideias, defender atitudes, predicar, convencer fazemparte do cotidia‐ no de umbompolítico. Assim, o silêncio se‐ ria a antítese da atividade política. Mas nem sempre é desse modo. Há momentos em que é de grande sabedoria o brocardo po‐ pular: “O silêncio é de ouro”. Os livros sagrados estão cheios de reco‐ mendações sobre o “guardar a língua”, afas‐ tando o perigo de pecar por “pensamentos” e “palavras”. O político que, nos tempos modernos, melhor utilizou o silêncio foi Mitterrand. O velho combatente socialista, obstinado e fir‐ me, falava pouco. Nunca nenhumpresidente francês foi tão avaro de declarações como ele. Achava que só podia usar a palavra quando ela gerava consequência. Administrou o silêncio com tamanha mes‐ tria que os seus momentos mais criativos e eloquentes fo‐ ram aqueles em que ficou calado. JânioQuadros falava o necessário e geralmente para es‐ conder o que pensava. Certa noite, estávamos emSão Pau‐ lo, no hotel Cambridge, e ele fazia uma avaliação da cam‐ panha presidencial de 1960. Concluiu que alguns líderes estavam falando demais e citou Carlos Lacerda. Emílio Car‐ los, fora da conversa, informou que Lacerda estava com problema na coluna, exatamente “bico de papagaio”. Jânio repicou: “Ele está é com papagaio no bico”. Costa e Silva, ao se encontrar como pre‐ sidente Nixon, depois dos cumprimentos formais, ficou calado, em grande silêncio. Umassessor lhe perguntou, preocupado: “O senhor está sentindo alguma coisa, presi‐ dente?”. “Nada”, respondeu, bonachão. “É que meu inglês já acabou”. Romain Rolland, no seu romance ‘Jean‐ Cristophe’, constrói um personagem que possuía tanta compulsão à tagarelice que só gostava de ir a concertos deWagner. E justi‐ ficava: “A música dele é tão vibrante e alta que a gente pode conversar no teatro e nin‐ guém nota”. Na literatura, a tagarelice é o barroco, a extensão das formas, o exercício dos deta‐ lhes a escrever sempre comumsimpósio de adjetivos. Depois, surgiu um novo estilo do antis‐ silêncio na política, a negação do Mitterrand: era Bush, o texano novo. Falava e dizia tanta bobagem que os seus marqueteiros criaram uma campanha de imagem na qual ele devia afirmar‐se por gafes e, valha‐nos Deus, com erros de inglês e de geografia. Era uma técnica de imunização à tolice, a busca de uma fórmula eficaz da “autoanulação”. Vejamos esta preciosidade de Bush, no Gridirond Club, em contato com a imprensa: “Se você for rigoroso, vai pensar que o verbo “está” deveria estar no plural, “estão”. Estou usando o subjuntivo do intransitivo plural. Portanto, a palavra “está” estão correta!” Shakes‐ peare deve tremer na cova! ● Revista DIÁRIO - Edição 17 - Ano 2016 - 28 Senador daRepública JoséSarney É uma grande virtude saber escutar o silêncio. Após 60 anos no Congresso, cheguei à conclusão de que ali deve ser, hoje, lugar de muito ouvir e de pouco falar. Ex-presidente do República, senador pelo Amapá, Membro da ABL e da Academia de Ciências de Lisboa;escreve no Diário do Amapá, todos os domingos SILÊNCIO na política ARTIGO

RkJQdWJsaXNoZXIy NDAzNzc=