Revista Diário - 16ª Edição - Junho 2016

“Ah! Casas de cavaco / Ah! pedras pelo chão / No rasgo-reto / Umresto de sangue / Acima umsol quente / O céu queme lambe / Quandomenino, solto, Sou do sertão. Ai vento queme leva / Diz-que o Jurupary / Está comendo pedra no norte / Está ganhando verde demorte / Leva tudo de noite daqui pra li / Ei! Lá vai o trem/ No seu trilho de luta / Não voltamais. E come, e come, e come / Comemeu chão / E bate, e bate, e bate / Demão emmão. / A terra, a serra, o barco, o navio / Tudo vai afundar / (Tudo pra se acabar)”. Caminho ferroviário emreconstrução A letra da música “Pedra Negra”, do escritor, cantor e compositor amapaense Fernando Canto, popularizada pelo Grupo Pilão foi a primeira referência poética à exploração do manganês pela empresa Icomi (Indústria e Comércio de Minérios S/A), comandada pelo empresário Augusto Antunes n a então cidade norte‐americanizada de Serra do Navio, fincada nas entranhas da Floresta Amazônica – hoje município, no estado Amapá. A poesia de Fernando Canto fez ecoar os lamentos dos caboclos amazônicos do pequeno chão brasileiro no extremo‐norte do então Território, preocupados com a exploração desmedida dos recursos minerais à época abundantes, não apenas o manganês – a “pedra negra” lapidada emversos pelo poeta – como ouro de excelente qualidade, que escoava sem qualquer controle pelos porões da exportação. Fernando Canto não apenas fez ecoar esse lamento, mas também foi pioneiro em denunciar as conseqüências desastrosas da atuação da Icomi no Amapá, que após 50 anos deixou no coração da grande Floresta um legado de destruição ambiental, enormes crateras e uma população totalmente desassistida, sem opções de trabalho, desprovida de assistência nas áreas de saúde, educação, segurança pública e social, deixando para o governo a tarefa de recolher os cacos daquela degradação. Igual sorte foi relegada à Estrada de Ferro (EFA), também retratada na poesia de Fernando Canto ao descrever a passagem do trem, “no seu trilho de luta”, que não apenas encantava a população do estado, como também passou a servir de ferramenta fundamental para o escoamento da produção agrícola emineração da região centro‐oeste do Amapá; entretanto, o legado de destruição não parou por aí: o patrimônio e o direito de larva foram vendidos pelos herdeiros de Augusto Antunes à empresa Zamin Mineração pelo preço simbólico de 1 real, com a EFA incluída no ‘pacote’. Como não poderia ser diferente, o resultado dessa ‘negociação’ foi desastroso: a Estrada de Ferro do Amapá foi abandonada, os vagões do trem, sucateadas, repousam ao largo da ferrovia, grande parte dos dormentes de ferro foram saqueados... O trem não mais deu o ar de sua graça, tirando o encanto e a magia da paisagem, mas também tornando ainda mais difícil a nada fácil vida dos agricultores locais, que ficaram sem transporte para o escoamento da produção. Tornando realidade, mais uma vez, a previsão de Fernando Canto: “Ei! Lá vai o trem/ No seu trilho de luta / Não volta mais” – não somente a então pomposa Serra do Navio, como também agora ‘sobrou’ para o governo do estado a tarefa de reconstruir tudo e fazer o trem voltar aos trilhos, para depois, como o previsível, ser novamente entregue à iniciativa privada, que se encarregará de reconstruir os passos indefectíveis da Icomi: “... E come, e come, e come / Come meu chão / E bate, e bate, e bate / De mão em mão. / A terra, a serra, o barco, o navio / Tudo vai afundar...”. ● Economia Revista DIÁRIO - Junho 2016 - 22 Texto: Ramon Palhares

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