Revista Diário - 13ª Edição - Fevereiro 2016

Revista DIÁRIO - Fevereiro 2016 - 51 econômico da cidade? Fernando Canto - A cidade se expandiu muito nos últimos trinta anos. O perímetro urbano foi aumentado e o que era rural ganhou ares urbanos. Um exemplo é a zona norte e o Buritizal. Nesse processo, é natural que a economia cresça e se fortaleça, diversificando‐se. Na realidade, o fenômeno da conurbação alcançou Santana, Curiaú e Fazendinha, o que fez surgirem uma diversidade de atividades econômicas que de alguma maneira trazem mais recursos arrecadados em forma de impostos para a municipalidade. Agora, se a devolução em bens sociais e econômicos para a população está sendo bem aplicada é uma questão de política gerencial e de fiscalização da edilidade. Diário - Como estudioso da cultura de macapaense, o senhor está satisfeito como desenvolvimento cultural da cidade, o que avançou, o que permaneceu inerte e o quê fazer? Fernando Canto - A produção cultural de Macapá, enquanto sede do município e capital do estado, cresceu, sim. Em quantidade. Eu jamais poderia dizer que estou satisfeito com a política cultural que o estado faz, que é uma política endógena, feita só para grupinhos e para beneficiar amigos do poder. Para mim, a ano de 2015 foi o pior desempenho que eu já vi de uma secretaria de cultura. Mesmo que aleguem crise econômica, as contradições são díspares e injustas. Não existe projeto de gestão cultural e não houve avanço nenhum. O órgão, infelizmente, virou uma casa da mãe joana e até hoje não tem um prédio próprio. Tem um amigo meu que me disse que o carnaval só não ocorreu no Amapá com o apoio estatal quando os gestores da cultura eram, coincidentemente, artistas, não querendo dizer que eles não eram técnicos. Mas a cultura é a sala de visita para qualquer estado que se preze, pois está em jogo a identidade das pessoas que moram neste estado, e a identidade cultural de um povo é algo móvel que pode tomar diversos rumos, por isso temos identidades múltiplas e precisamos achar saídas e não balançar a cabeça e concordar com tudo que nos dizem. Diário – Aí estariam em jogo a questão do Marabaixo e o Encontro dos Tambores? Fernando Canto – Poderiam estar entre os maiores eventos culturais do país, se fossem levados a sério. Temos ainda um artesanato indígena completamente desvalorizado; os museus esvaziados por falta de verba e cuidado; temos também a questão da formação de artistas; artes plásticas e a literatura, essa que foi atravancada violentamente com a não realização da Feira do Livro do Amapá, FLAP, e as novas tendências das artes urbanas. Digo isso porque o nosso zeitgeist, o espírito da época, é algo em formação, uma representação quase anímica, mas tão dinâmico que parece ter estartado um processo de mudança veloz e sem freio como um trem de onde se olha o que se passa nascendo e morrendo de ambos os lados do caminho. Diário – E o que fazer para mudar essas condições? Fernando Canto – Tratar melhor a tradição e com respeito, mas também abraçar a inovação cultural, que por certo existe, mas não aos olhos dos insensíveis gestores, que não têm uma leitura exata da realidade que os cerca neste estado de jovens e de grandes talentos. Ainda bem que a sociedade se mobilizou e fez nascer e consolidar pensamentos e ações de preservação do patrimônio cultural material e imaterial, trazendo novos alentos à até então desvalorizada memória amapaense. Às duras penas a Academia, no sentido lato, também avançou em suas propostas culturais, educacionais e científicas, sem contar as iniciativas pessoais de escritores e historiadores independentes. Diário - Qual o recado que o senhor deixaria para os macapaenses? Fernando Canto - Olha, desde que a “Mística do Amapá” surgiu como ponto de apoio ideológico de um povo em formação no governo Janary Nunes, não vi até agora nada que incentive a população a tentar melhorar sua vida, até porque os podres poderes se estabelecem e são movidos por políticas escusas. Há muita desconfiança em relação aos governos. E quando isso ocorre há um esfriamento das pessoas em encontraremmotivação para se orgulhar do lugar que são. Diria apenas, citando Pesavento de Sandra Jatahy Pasavento, historiadora brasileira e especialista em urbanismo, “que o imaginário é o motor de ação do homem ao longo de sua existência”. “Todos os jovens, todo cidadão que se preza deve lutar contra as iniquidades políticas e sociais, pois mesmo que se coloquem barreiras, nada é inacessível absolutamente, e o tempo se encarrega de romper as paredes mais duras”, disse Maria Zambrano, filósofa espanhola. Por isso, há necessidade de amarmos nossa cidade, pois é onde está nossa vida e, claro, nossos sonhos imanentes e os valores sociais mais preciosos. ●

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