Revista Diário - 13ª Edição - Fevereiro 2016
Entrevista Fernando Canto - Bom. De um lado a diversidade cultural. Já vi cenas onde nummesmo lugar um gaúcho bebia chimarrão e dançava brega ao som de um conjunto musical nordestino. De outro, os investimentos que migrantes mais abastados propõem trazer para o Amapá, como última fronteira agrícola ou para a área da construção civil, tendo em vista as mudanças da lei do uso do solo urbano e a ampliação dos gabaritos de prédios, além da expansão dos limites territoriais e, é claro, do aumento populacional e suas consequências sociais e econômicas. Diário - No início da década de 1990, Macapá obteve umdos maiores índices de migração de toda a história em função da implantação da Área de Livre Comércio. Como o senhor observa esse movimento migratório e que impacto isso causou na cidade? Fernando Canto - Realmente foi um caos. Nessa época a taxa de fluxo migratório chegou a 5,6%, a maior do Brasil. Milhares de pessoas vieram para cá como sacoleiros e resolveram ficar, depois da decadência da ALCMS, uma política que não deu certo por intrigas políticas e falta de gerenciamento. A cidade nunca se preparou para receber tanta gente e deu no que deu: aumento de aluguel, especulação urbana, criminalidade, saúde e educação insuficientes, serviços de apoio social inoperante, segurança limitada, invasões de áreas de ressaca e desorganização das áreas comerciais, concorrência desleal, etc.. Tudo isso num tempo em que não havia bolsa família e outras bolsas. Diário - Como o senhor avalia a implantação de políticas públicas nomunicípio para gerir um desenvolvimento urbano com segurança? Fernando Canto - Políticas dessa natureza devem ser feitas de comum acordo entre os gestores e a população, por meio do mais democrático instrumento de gestão, que é o Plano Diretor de uma cidade. Deve‐se dizer também que hoje temos condições de desenvolver melhor a sociedade e, como falei antes, através das heterotopias, novas formas de sociabilidade. A sustentabilidade, por exemplo, exige soluções pós capitalistas e pós socialistas, algo que pela primeira vez na história houve consenso entre esses dois polos ideológicos. Diário - Segundo dados do IBGE, Macapá apresenta uma das mãos-de-obra mais desqualificadas do país. A quê o senhor atribui isso? Fernando Canto - Confesso que não sei de quando são esses dados, e quando foi realizada a pesquisa. Entretanto, posso inferir que o que é desqualificado é o oposto do que é qualificado, logo, o processo educacional está em jogo, e perdendo, pois se não há uma política de profissionalização amparada legalmente pelos setores que administram a educação, logicamente que o desenvolvimento dos diversos setores da economia será menor e não acompanhará suas metas empresariais. Diário - O crescimento urbano gerou muitas mazelas, sociais principalmente, ocupações irregulares, crianças pedintes nas ruas, mendigos, drogados... Isso é resultado do próprio desenvolvimento? Fernando Canto - Sim e não. O cumprimento e a fiscalização das leis são fatores primordiais para o ordenamento urbano de uma cidade governada democraticamente. Contudo, a mazelas políticas como a corrupção e o descaso são mais nefastos do que a pobreza, que é consequência de decisões políticas articuladas visando a manutenção do poder, e o próprio modo de produção capitalista de que nos referimos antes. Temos exemplo disso em toda a América Latina, para não irmos tão longe, às vezes em países governados por ditadores e bandidos de alta periculosidade. Diário - Macapá inicia umprocesso de verticalização, o que é natural e esperado, mas o que o senhor acha ser necessário para garantir que essa transformação para uma metrópole seja o desejável para todos os cidadãos? Fernando Canto - Em primeiro lugar, uma rede de esgoto cujos conteúdos devam ser tratados commedidas tecnológicas sustentáveis, caso contrário ficaremos literalmente a ver navios no rio Amazonas e deixá‐lo ficar poluído para trazer o horrível cheiro de volta à cidade nos ventos de maré cheia. Depois há necessidade de áreas para a construção desses prédios, de acordo com o zoneamento determinado pela Lei do Plano Diretor de Macapá. Evitando o sombreamento excessivo e aplicando corretamente a lei, evitaremos a ausência de vento e o calor. Todavia, é preciso que se fiscalizem essas obras com rigidez, porque muitos deles hoje não possuem garagens e estacionamentos próprios e ainda usam fossas sépticas. Tudo isso causa transtornos, principalmente a disputa por vagas para carros. Eu me admiro muito que esses empreendimentos parecem, eu disse, parecem que não se submeteram a estudos de impacto ambiental, pelos setores competentes, como manda a lei. Diário - Como o senhor avalia o desenvolvimento Revista DIÁRIO - Fevereiro 2016 - 50
RkJQdWJsaXNoZXIy NDAzNzc=