Revista Diário - 13ª Edição - Fevereiro 2016

Então o positivo e o negativo também são atos de julgamento. Agora, se for para julgar, diria que o aspecto mais negativo que até hoje faz Macapá sofrer foram as invasões urbanas em áreas de ressaca que tiraram a chance de Macapá ser uma das mais belas cidades brasileiras. Nem vejo isso como romantismo, mas como lástima de um cidadão indignado. Diário - Macapá concentra cerca de 70%da população do estado, e alguns teóricos concluem que, em função da condição de território federal sob a batuta do regime militar, isso teria influenciado no comportamento domacapaense. Como você analisa esse comportamento. É umpovo aguerrido ou pacífico demais? Fernando Canto - Sinceramente não vejo a intervenção do regime militar como grande culpada dessa conjuntura, mas como um fator. A concentração populacional se dá simplesmente porque a capital oferece mais atrativos para todos, da saúde à educação, das chances de trabalho e emprego à cultura e lazer, e até mesmo pela falta de respeito às leis e códigos municipais que possibilitam a quem chega se achar dono da cidade, sem lei, pois a fiscalização sempre foi pífia. Na realidade, bem antes do regime militar com o célebre slogan “Plante que o João garante”, do último presidente militar, até hoje, em que pese a popularização do sistema de comunicação e energia no Brasil, todos os outros governos têm políticas de contenção desse tipo de mobilidade social muitas vezes causada pela violência, que é o êxodo rural. Mas no caso do Amapá há um caso sui generis: na ânsia de votos, prestes à transformação do território em estado, a então Secretaria de Promoção Social incentivou a migração para cá colocando enormes placas no aeroporto e nos portos de Macapá e Santana com os dizeres: “Seja bem vindo, senhor migrante”. Creio que todos os processos sociais e históricos influenciam o comportamento de gerações, principalmente naquilo que pode ser significante para as identidades locais, mas não tenho parâmetros para inferir se somos pacíficos ou aguerridos. Diário - Amaioria dos profissionais macapaenses bem sucedidos, hoje, veio de famílias muito humildes. Como o senhor considera isso? Fernando Canto - Considero que o esforço e a determinação pessoal são fundamentais para realizar o que se deseja. Entretanto, isso não basta. A preparação educacional e intelectual que essas pessoas tiveram nos colégios da capital, quando não havia nitidamente segregação por classe social, e os professores eram superpreparados e bem remunerados, foi determinante para que pudessem atravessar o rio Amazonas e conseguissem uma profissão de nível superior que oportunizasse o seu crescimento profissional, técnico e econômico, já que Macapá não oferecia cursos superiores. Mas esse é apenas um dos lados. O outro se dá também com o aproveitamento das oportunidades que surgem em uma cidade em crescimento e transformação como Macapá. Diário - E hoje, empleno século XXI, com a revolução tecnológica que mudou o comportamento de gerações nomundo todo, como você percebe a atual geração? Fernando Canto - Antigamente se dizia que a juventude era o futuro do Brasil. Na realidade, hoje há uma nova geração de um novo mercado, pois o sistema capitalista tem como prioridade a satisfação do lucro. E é um fenômeno universal, onde todos estão ligados pela rede mundial de computadores. Mas enquanto houver aquilo que chamamos de heterotopias, que é a capacidade do homem de ocupar outros lugares, transacionar novas formas de sociabilidade, a juventude ocupará os espaços que se abrirão a novos interesses, porque hoje o ensino está muito voltado para o empreendedorismo até nas escolas públicas. Uma leitura que se pode fazer sobre a perspectiva e os valores desta nova geração tecnológica são as relações produzidas pelas redes sociais que se tornam verdadeiros axiomas, quase imutáveis. Mas certamente outras formas de entendimento de mundo existem. Em “A Condição Humana”, de Hanna Arent, ela dizia com certo exagero que “só existe uma lei na terra: a lei da pluralidade”. Diário - Em toda a história de Macapá a migração de pessoas, até de famílias inteiras, é sempre muito presente. O que chama a sua atenção para esse fato? Revista DIÁRIO - Fevereiro 2016 - 49

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