Revista Diário - 11ª Edição - Outubro 2015

Revista DIÁRIO - Outubro 2015 - 44 História E mrelação ao Laguinho, particu‐ larmente, um novo universo acabou sendo forjado pelos afrodescendentes a ponto de no cur‐ so de sua evolução histórica esse bairro ter se tornado omais tradicio‐ nal da capital e de todo o estado, transcendente, inclusive aos limites reais e imaginários do próprio Ama‐ pá. No Laguinho, o negro mitificou manifestações e entidades culturais e folclóricas, alémdo forte conteúdo re‐ ligioso católico comcondimentos sin‐ créticos que passaram a caracterizar o bairro desde sua origem. A instalação da Paróquia de São Benedito, nos anos 1950, batizada com o nome de um santo negro, e a Festividade em seu louvor realizada anualmente no começo de setembro, são pontos altos do calendário cató‐ lico; o Marabaixo e o Batuque, dan‐ ças tipicamente afrodescendentes que incorporam vertentes do catoli‐ cismo popular e que se revestem de conteúdo poético emusical namedi‐ da em que são dançadas e cantadas com letras que, entre outros moti‐ vos, referem‐se ao cotidiano da gen‐ te do bairro, sendo que a primeira ainda tem suporte de sabor com a gengibirra, bebida feita com o em‐ prego de gengibre e aguardente de cana (cachaça). Em relação ao Marabaixo do La‐ guinho, especificamente, uma odis‐ seia cultural se cristalizou em forma de vozes, versos e ritmos de tambores que ao dialogaremcomo sagrado das festividades em louvor aos santos e entidades católicas constituíram em meio às circunstâncias do dia a dia de labuta, desde os tempos do cativeiro colonial, amaior de todas asmanifes‐ tações da cultura em nível local. Com batuques ritmados e indumentária tí‐ pica, simples, com enfeites e alguns acessórios, mas rica emsimbolismos, uma dança cadenciada com giros e cortejos, meneios e gestos sincroniza‐ dos, contagiante e envolvente. A trilha sonora é composta a partir de temá‐ ticas do cotidiano e os versos são pro‐ positadamente denominados “la‐ drões”. Dentre as diversas explicações para esse termo, o fato de as músicas aludirem às pessoas e à vida dentro da comunidade, os fatos narrados em público de certa forma “roubam” a in‐ timidade das personagens citadas, expondo suas particularidades. E foi justamente a saída dos negros do Centro que inspirou o principal tema musical doMarabaixo: “Aonde Tu ‘Vai’ Rapaz?”, de autoria de Raimundo La‐ dislau, festejado como o maior com‐ positor de Marabaixo. Narra, por meio de versos e melodia simples, a aventura dos pretos espoliados do Centro e que foram construir suas moradias nos “Campos do Laguinho”, a exemplo dos pretos que rumaram pra Favela. Todos os anos, por ocasião das co‐ memorações da Semana da Consciên‐ cia Negra no Amapá, emnovembro, a União dos Negros do Amapá (UNA) e o Centro de Cultura Negra do Amapá (CCNA) realizam, desde 1998, o En‐ contro dos Tambores nas dependên‐ cias da primeira, onde também fun‐ ciona o segundo. Entre os grupos mais conhecidos e renomados em to‐ do o estado se destacamoMarabaixo do Laguinho, Raimundo Ladislau, Raízes do Bolão e Pavão e, entre as personalidades do canto, da dança, da percussão e da composição, o Lagui‐ nho tem Danniela Ramos, Laura do Marabaixo, Raimunda Ramos, Pieda‐ de Videira, Adelson Preto, Nena Silva, Pedro Ivo Guto, Pedro Bolão e Ales‐ sandra Azevedo, além de vários ou‐ tros. O grupo de dança Afro Baraká apresenta‐se no Amapá, em outros estados e até no exterior comPiedade Videira, Mery Baraká, Djane Estrela, Letícia Rosa junto a outros dançari‐ nos. No âmbito do carnaval e das fes‐ tas populares, a Associação Universi‐ dade de Samba Boêmios do Laguinho e Piratas Estilizados são agremiações carnavalescas tradicionais do carna‐ val amapaense, sendo que a primeira foi a primeira a ser criada entre todas as escolas de samba do estado; na quadra junina os grupos Simpatia da Juventude, Estrela doNorte, Tradição Junina, Coração Vermelho e Branco, Broche Vermelho estão entre as qua‐ drilhas de destaque; no circuito da toada, Estrela do Norte e Troupe Tri‐ bal estão entre os melhores grupos. No dia 26 de dezembro comemora‐se há mais de quatro décadas o aniver‐ sário do ”Banco da Amizade”, que fica na Avenida General Rondon ao lado da escola Azevedo Costa, com shows, comida, bebida e atrações culturais e artísticas. E a diáspora laguinhense sempre se cumpriu com o carnaval a namedida emque na Avenida FABou no Sambódromo, os pretos voltamao centro para arrebatar títulos do car‐ naval e trazem troféus para sua gale‐ ria de triunfos. Por esses aspectos e outros tantos, se sabe para onde vai o rapaz por esses caminhos sozinho e aomesmo tempo, cheio de um“mun‐ daréu” ou uma “vuca” de gentes. A música nunca perde o frescor e nem a atualidade numa sociedade na qual o capitalismo excludente relega ao negro e às minorias, posições secun‐ dárias e que os afastam do exercício da cidadania plena. Mas do Laguinho, os negros construíram um universo próprio e continuamente fazem da sua história o apontamentomais sig‐ nificativo da trajetória da sociedade amapaense. ● ● Antiga Igrejade São Benedito.

RkJQdWJsaXNoZXIy NDAzNzc=