Revista Diário - 12ª Edição - Novembro 2015

A Folha publicou que Machado de As‐ sis foi recusado por três das maio‐ res editoras do país e esquecido por outras três. Precisava o jornal pesqui‐ sar até onde os escritores sobrevivem. Machado de Assis não passou no teste mercadológico. Acho que nada no mundo vai acabar com autores e o livro. Ele é uma das mais perfeitas descobertas tec‐ nológicas do homem. Pode‐se ler na cama e no banheiro. Co‐ mo levar um computador a esses lugares? Pode‐se, mas não é nada confortável nem desejável. Ao meu ver, o que vai assegurar a sobrevivência do verdadeiro livro é a poesia. A poesia não tem mercado, logo não vai ter pesquisa de mercado. O poeta não escreve pensando em ganhar milhões nem de leitores nem de dólares. A poesia, como diz o poeta português Armando Carvalho, "é uma forma de um lento sui‐ cídio". Ela salvará os escritores e os livros. Borges também seria recusado, diz um escritor argentino. Os livreiros brasileiros afastaram Machado de Assis porque "o parecer de uma comissão de leitura não lhe foi favorá‐ vel", e uns estimularam: "Desejamos sorte nos seus fu‐ turos contatos". Outro foi mais longe: "Gostaríamos que você nos enviasse seu endereço". Machado responderá: "Desde o dia 21 de abril, no cemitério São João Batista, mausoléu da Academia Brasileira de Letras". Saramago pediu, na Bienal do Livro, que se estimulasse o hábito da leitura. Ele sabia do que falava, porque alguns dos seus livros precisam mais do que hábito, uma possessão pela leitura. Certo dia, en‐ trei no plenário vazio do Senado para marcar minha presença no ponto eletrô‐ nico. Estava um grupo de crianças de uma escola primária visitando. A guia dizia: "Aqui é o lugar de reu‐ nião dos senadores". Um menino mais curioso perguntou: "Quem é aquele ho‐ mem que está ali?". Referia‐se ao busto de Ruy Barbosa, entronizado na sala. Responde a moça: "É Ruy Barbosa, patro‐ no do Senado, notável escritor". E per‐ guntou: "Alguém sabe de que Estado era Ruy Barbosa?". "Sei, sim senhora." "Qual é?" "Do Estado Unidos." "Não, meu filho, ele era da Bahia", disse a guia, benevolen‐ te. Saí de mansinho, matutando: esse me‐ nino vai longe, já está no contexto. Num programa para jovens, na televisão, tam‐ bém indagaram quem era Guimarães Ro‐ sa, e a resposta veio rápida: ‐ Grande compositor de "Chão de Estrelas'". Afon‐ so Pena Júnior contava que veio de Minas para o Rio, no famoso trem noturno, ma‐ ravilha do princípio do século, e, depois da intimidade de uma longa viagem, deu‐se a conhecer para seu vi‐ zinho de cadeira: "Sou Afonso Pena Júnior". E o inter‐ locutor, atônito: "Ué, gente, vai ver que é parente do Antônio Júnior, dono da mercearia do bairro onde eu moro". "Exatamente", respondeu o velho, com fino hu‐ mor, "primos‐irmãos". É. A hora não está para Macha‐ do. A onda é Chico Lopes. Revista DIÁRIO - Novembro 2015 - 28 Senador daRepública JoséSarney ARTIGO O livro não precisa de energia, não precisa ligar e desligar. Cai e não quebra. Pode ser aberto e fechado em qualquer página, sem nenhuma palavra-chave. Pode ser levado para qualquer lugar. Tem todos os programas imagináveis, do conhecimento à ficção. Ex-presidente do República, senador pelo Amapá, Membro da ABL e da Academia de Ciências de Lisboa;escreve no Diário do Amapá, todos os domingos Machado não está comnada

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